segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Santiago

Nos últimos anos, os meus negócios diminuíram bastante, diante da crise no Brasil, onde o desemprego cresceu e os investimentos em pessoas ficou bastante baixo, resolvi me reinventar. Não foi fácil, mas agora em nova fase, com nova profissão, as viagens vão ter que ser menores, mais baratas, sem com isso deixar de ser importante e inspiradora.

Coincidentemente voltei para a primeira cidade onde eu trabalhei fora do Brasil. Santiago me recebeu tão bem e me ajudou a quebrar o medo de tentar falar outra língua, Hoje chego aqui, depois de tantas vidas a trabalho, venho passear e os olhos são outros, o coração também.

E agora Marcelo, e agora?

E agora, Marcelo?
A crise chegou,
a noite esfriou,
o povo se viu,

E agora, Marcelo?
você que faz versos,
que já não protesta
que ama, estuda, trabalha,
e agora, Marcelo?

O dia chegou,
o sorriso veio,
veio a utopia
e tudo virou.
E agora, quando pensei que iria me aposentar, gastei minha reserva, estou começando de novo e preciso contar comigo.  Vai valer a pena ter amanhecido.

Ao longo desse sessenta e tantos anos, a vida foi me ofereceu muitas oportunidades e eu fui me disponibilizando para aprender pois as coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender.

Pude aprender em cada etapa, tive o privilégio de: 
·        estudar em uma escola revolucionária, cogerida, autossustentável e participativa, durante anos de repressão e aprendi a ter esperança; 
·        ser empregado e contribuir para os primeiros anos dos bancos de desenvolvimento e lutar que o desenvolvimento econômico fosse também social, além de ter uma ampla formação em todas as áreas de RH; 
·        criar o Fundo de Solidariedade do Estado de São Paulo e implantar a campanha do agasalho;
·        participar ativamente para a valorização da área de desenvolvimento, através de associações e organização de congressos;
·        ser sócio de pessoas capazes e inspiradoras e atuar em desenvolvimento de pessoas, com uma metodologia inovadora e eficaz;
·        ter uma empresa que se dedicou a desenvolver o indivíduo em organizações
·        ter clientes empresariais que confiaram e acreditaram em meu trabalho por mais de 30 anos, e parceiros que compartilharam uma visão maravilhosa de desenvolvimento humano e educação.
Tive filhos que cresceram e tocam suas vidas, além das netas maravilhosas.
Tive amigos que foram importantes para cada momento da caminhada.
Consegui viajar o mundo, desfrutar de culturas, experiências e aventuras que me ajudaram muito a ter um caso de amor com a humanidade.
Há quatro anos, quando a crise começou e o Brasil parou tive que encarar a angústia diante das perspectivas, pensar em novos caminhos. 
Conversando com colegas, sobre o que estava acontecendo, tentaram me convencer que eu devia me tornar coaching e eu resisti, por não acreditar que este fosse o meu caminho. Foi uma conversa muito interessante, pois me fez tomar decisões e buscar novos caminhos na vida. 
Se fosse para fazer atendimento individual, eu gostaria de atuar de forma profunda. Com 60 anos, resolvi encarar e voltar para a escola, fazer duas pós. Fiz a Pós em Psicoterapia Breve Operacionalizada e a Pós em Especialização em Psicoterapia Psicanalítica. 
Não foi fácil, além encarar bancos de escola, encarar jovens que demonstram restrições e até preconceitos com os “velhos” e ainda mais duro: ser um “não psicólogo” e estar fazendo uma especialização em Psicanálise. Diante das restrições da situação, decidimos criar um projeto social que levasse a psicoterapia para a periferia de São Paulo. (Agradeço profundamente ao Pe. Glenio que compartilhou essa luta comigo)
Muita leitura, muito atendimento, muita aula, muita supervisão e muita análise pessoal. Essa formação nos leva a alto grau de exposição, desconstrução de verdades e uma disponibilidade diferente para o mundo.
Hoje, olhando minhas anotações, descobri que já atendi mais de mil consultas, 33 pessoas passaram por mim e me apresentaram uma realidade muitas vezes dura, mas sempre corajosa.
O projeto conta com 34 psicoterapeutas e se espalhou por todos os bairros da cidade. Já atendemos quase 300 pessoas. Realizamos muitas oficinas, criamos uma área médica e de suporte, fomos aceitos nos bairros, e conheci amizades muito sinceras e profundas, que me ajudaram, questionaram, incentivaram e apoiaram.
Estou me formando, muito cansado, mas muito feliz. A crise foi só financeira, o meu coração está muito feliz.
Os colegas que me ajudaram a decidir esse movimento tão bonito em minha vida, não sabem o quanto foi decisiva e importante a nossa conversa, o que é mais engraçado é que eles negam a existência de nossa conversa. É assim, cada um de nós ouve, decide e é responsável pelas suas escolhas e lembranças. 
Nem essa eleição sem esperança é capaz de me ofender, estou feliz com o que estou fazendo. E como dizia Gil:
De dizer que na Terra a gente tem
De arranjar um jeitinho prá viver